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Amor de mãe na Papuda

Amor de mãe na Papuda

Entre as pessoas que estavam se preparando para fazer as visitas, na frente do Complexo da Papuda, a maioria era composta por mulheres. Loiras e morenas. De diferentes idades e alturas. Que enfrentam obstáculos para encontrar seus familiares que estão privados de liberdade. Algumas preferem não serem identificadas por medo de represálias futuras.

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Os presídios do Distrito Federal ainda estão com políticas de distanciamento, além de exigência da utilização de máscaras. Essa medida operacional acaba prejudicando as interações de mãe e filho, que acabam se restringindo a encontros quinzenais de apenas duas horas, como o caso da T.A, que, ao ser entrevistada, interrompeu a última pincelada de seu rímel. 

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Ela conta com uma certa distância, daquela de quem não quer ser associada a essa realidade, a infelicidade que era não poder abraçar o filho (em tempos que até isso tinha sido vetado).

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“A vida é curta demais para vir parar em um lugar como esse… é muito sofrimento, né?” frase que ao sair da boca dela em uma intransitividade retórica corta aquela atmosfera ritualística de embelezamento no carro, com sua filha, nas horas antes de entrar para visita. Cada pincelada carregava a mentira “tá tudo bem aqui fora”.

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Ligada pelo laço que não pode ser cortado, Jô, de 21 em 21 dias, visita seu filho. Há cerca de dois anos, ela faz o trajeto do trabalho para a Papuda, e da Papuda para o trabalho, na linha 0.111. Pessoas associam a ela os crimes cometidos pelo seu filho. 

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“Eles têm muito preconceito, porque acham que, porque a gente vem aqui, a gente é errado. Eles estão pagando aí, fizeram errado e tem que pagar mesmo. Mas eu acho que a gente que vem visitar, a família, não tem nada a ver. Eu dei uma educação muito boa para os meus cinco filhos, a mesma criação que eu dei pra ele, dei para os outros quatro. Mas ele foi o mais errado, o que escolheu o lado errado”.

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Em sua calça branca, às quintas-feiras, ela se esquiva de olhares preconceituosos. Se esquiva por amor e saudade de seu filho. Não o abandona, e não se vê abandonada. Acredita que ele está pagando pelos erros que cometeu.

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“Aqui dentro tem muita descriminação por parte dos agentes. Eles, por estarem aqui, deveriam instruir mais eles. Deveriam ter um lugar aqui para àqueles que querem mesmo e levassem para um lugar adequado para conversarem. Que tivesse psicólogo ou algo pra estudar mesmo. acho que eles escolhem a dedo quem vai estudar, ou fazer alguma coisa”.

​“Em dia de visita, mãe nenhuma dorme”

São 10h da manhã. Sentada ali, debaixo daquele quiosque improvisado, na frente da Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), vejo duas mulheres se aproximando. Uma senhora de cabelos grisalhos, ralos, presos por uma presilha. E uma moça de cabelo preto, volumoso e liso. Ambas vestem roupas brancas, que sinalizam que irão encontrar alguém que está preso.

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A senhora senta ao meu lado e a mulher permanece em pé, um pouco mais distante. As duas parecem ser familiares no local, pois logo iniciam conversas com a mulher que comercializa lanches e produtos naquele local, Keila Jesus.

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Apenas observando aquelas duas mulheres eu não conseguiria imaginar os relatos que eu poderia escutar delas. Elas eram mãe e filha, E.R. e K.R. Estavam se preparando para visitar o filho e irmão, que estava na ala psiquiátrica daquela penitenciária.

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A mãe logo disse que não estava bem, que havia uns dias que estava passando mal e se sentindo fraca. Ela contou que, na noite passada, mal havia dormido. A comerciante, que escutava os lamentos daquela mulher, logo se voltou para mim e disse: “Em dia de visita, mãe nenhuma dorme”. E.R. concordou, completando que poderia ser por conta da ansiedade de ver seu filho. A filha que ouvia a conversa fala: “o nosso ônibus para vir pra cá sai 7h, dá 6h minha mãe já quer ir pra parada ficar lá esperando”.

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Fazia uns dias que aquela senhora não estava bem. Ela compartilhou que na segunda, dessa mesma semana, havia ido ao hospital. Disse que acordou com muito sangue em sua roupa e não sabia da onde que estava vindo, se era do nariz ou da boca. Os médicos não conseguiram descobrir o motivo, mas estava atenta a novos sinais. Ela acreditava que poderia ser algo relacionado ao seu emocional. Ela havia perdido um filho que tinha câncer há menos de um mês.

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Naquele lugar, mãe e filha se unem em meio a dor, saudade e, principalmente, amor. Seu filho, que hoje está detido, estava tendo muito surtos e a agredindo. Em um desses episódios, foram necessários quatro homens para segurá-lo. Ele também havia agredido a sua irmã, que hoje estava ali para vê-lo. “Pegou ela que quase mata”, revelou E.R. Por sua vez, K.R. contou que, mesmo após esse episódio, ela não sente mágoa dele. Segundo ela, não era ele ali e sim a sua doença.

Reportagem produzida para o Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade de jornalismo do Centro Universitário de Brasília - Ceub

 

Textos e website: Maria Luíza Souza

Imagens: Maria Luíza Souza e Mariana Tollendal

Orientação: Luiz Claudio Ferreira 

Coordenador do curso de jornalismo do Ceub - Manoel Henrique Moreira

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