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Em quintas-feiras diferentes, a reportagem acompanhou um pouco da saga de pessoas, em sua maioria mulheres, para visitar seus amores em presídios do Distrito Federal. No DF, estão localizados o Complexo Penitenciário da Papuda e a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia.

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O movimento de pessoas nos dois presídios possui suas diferenças. Na Papuda, a todo o momento é possível observar mulheres passando, em sua maioria, sozinhas e sem fazer muito contato com outras pessoas. As visitantes que por ali conversei relataram não ter amizades naquele local e que não estão em nenhum grupo para troca de experiências. Elas se fecham e tendem a recuar ao mínimo contato.

 

Na Colmeia, tive percepções diferentes. Por lá, observei menor circulação de pessoas. Elas também tendiam a interagir mais umas com as outras e se conhecerem. Lembro-me bem de observar cinco mulheres auxiliando uma senhora a chegar à área de visita. Ela se locomovia com dificuldades, fazendo uso de uma bengala. As mulheres que estavam ao seu redor as seguravam pelos braços.

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Em conversa com a comerciante que estava ali, ela me contou que aquelas mulheres tinham grupos de WhatsApp para se ajudarem, principalmente com caronas para aquele local de difícil acesso.

Complexo Penitenciário da Papuda

Manhã de quinta-feira em Brasília. Uma fila formada por mulheres, com exceção de quatro ou cinco homens, percorre um trecho da Rodoviária do Plano Piloto. Em frente à plataforma A, elas esperam ansiosamente a chegada da linha de ônibus 0.111, que vai em direção ao Presídio Nacional (no Complexo da Papuda), localizado em São Sebastião, a 20 quilômetros dali.

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Ao lado da fila, percorre um homem com seu carrinho de mão. Em cima uma caixa de isopor, sacolas transparentes, blusas e máscaras brancas. O homem, que preferiu não se identificar, passava oferecendo seus produtos para as mulheres que ali estavam aguardando o ônibus. Este homem foi o primeiro a me contar que, para a visita ser permitida, é necessário que o visitante esteja inteiramente de branco.

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8h10

O 0.111 tão aguardado estaciona na rodoviária. Ao todo, foram 25 minutos dentro do veículo. Onde o que se podia escutar eram o ruído do ônibus e os fones de ouvido de um rapaz que estava próximo, e que desembarcaria antes da Papuda.

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O ambiente estava cheio de tensão e ansiedade. Mas, também, cheio de mulheres que pouco conseguiam se mexer por estarem em um ambiente limitado. Elas se seguram como podem, agarrando-se na barra de sustentação, mas também no desejo de logo poderem ver seu amado e matar um pouco da saudade que sentiam. A maioria carrega bolsas e mochilas, umas vestem branco, outras não, essas, talvez, iriam fazer a troca de roupa posteriormente. 

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As visitas no Complexo da Papuda ocorrem às quartas e quintas-feiras, das 9h às 15h. Segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, há 16.150 internos no Presídio Nacional e 13.498 visitantes aptos.

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Para visitar uma pessoa recolhida em alguma das unidades prisionais do Distrito Federal, o familiar ou amigo agenda seu atendimento nos postos do NA HORA. É obrigatória a apresentação da documentação exigida no dia da realização do cadastro. O prazo dado para liberação do cadastro é de 10 dias.

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Após a ativação, o visitante retira sua senha um dia antes da visita, no site da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF). Validada nos guichês de atendimento, localizados na área externa da unidade prisional, junto com o documento de identificação.

Penitenciária Feminina do Distrito Federal

O percurso em direção à Penitenciária Feminina do Distrito Federal é diferente. Possuem mais paradas e obstáculos em seu caminho. Localizada no Gama, essa não possui uma linha direta de ônibus para o local, diferentemente da Papuda.

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Para chegar, eu, repórter, optei por fazer o percurso de quem dependeria do serviço de mobilidade urbana do Distrito Federal. Fiz pesquisas dos transportes que seriam usados, verifiquei as linhas de ônibus para o local e cronometrei o tempo aproximado que levaria. Utilizando o Maps como ferramenta, o tempo de deslocamento seria menor se eu fosse para o terminal de Santa Maria. Assim, parti para a saga que seria chegar até o meu destino final.

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Eu sabia que precisaria pegar um ônibus de trânsito rápido – BRT –, dois ônibus e caminhar mais alguns minutos para chegar ao meu destino final. Mas não era isso que me aguardava. Cheguei ao ponto do BRT às 6h50, não esperei muito por lá; logo, peguei o veículo que me levaria. Vinte minutos passados e eu já estava no terminal. Diferente do tempo de espera do ponto anterior, na parada de ônibus, não passou nenhum ônibus que eu precisaria. 

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07h40 e nada

O primeiro horário de visita seria às 8h. Decidi solicitar um motorista por aplicativo. Durante a corrida, o motorista me contou que nunca havia deixado nenhum passageiro lá antes e que, provavelmente, seria mais difícil para eu conseguir voltar. Confesso que essas palavras me deixaram um pouco assustada, mas não voltaria atrás.

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Cheguei ao presídio feminino às 7h50. Diferente da Papuda, não havia muitas mulheres na área de espera do local de visita. Era um local que lembrava um galpão, fechado por grades e um portão verde. Com bebedouro e banheiros. Havia dois estacionamentos pequenos, em comparação com o presídio masculino, um para os visitantes, que não tinha nem 10 carros, e outro para os funcionários do local.

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Próximo ao estacionamento para os carros de quem estava visitando, havia um carro vermelho parado e com o porta-malas aberto. Ele estava sendo utilizado como uma forma de exposição de produtos. Havia shampoo, condicionador, pasta de dente, absorvente, cigarro e sabão em pó. Ao lado do carro, uma tenda erguida com três banquinhos abaixo e uma mesa para vender comida a quem passa.

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Sentado naqueles bancos havia duas mulheres e um homem, dentro do carro, no banco de trás, uma mulher. Eles conversavam e riam. Pareciam que se conheciam. Comprei uma água e decidi ficar por lá, me protegendo do sol, observando quem passaria.

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Depois de alguns minutos conversando, uma das mulheres foi embora. Tinha ido fazer companhia para a comerciante no local, elas eram amigas. Me sentei onde ela estava. “Nunca te vi por aqui. Veio visitar alguém?” Me perguntou a mulher que estava dentro do carro. Ela se chama Keila Jesus e é comerciante no local há 15 anos.

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A respondi que era repórter e estaria por lá para produzir meu trabalho de conclusão de curso. “Aqui é cada coisa que acontece. Daria para escrever um livro chamado porta de presídio e ganhar dinheiro.”

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Entre conversas, passaram algumas pessoas por ali, maioria mulheres. Iam para deixar suas bolsas para a Keila guardar, comprar coisas para levar à pessoa que iria visitar, comer algo ou, simplesmente, conversar. Elas me apareciam se conhecerem, conversavam com as outras de formas amigáveis e com familiaridade. Fiquei, aproximadamente, três horas com aquelas pessoas.

Ônibus para o local

Durante as quatro horas que estive lá, vi apenas dois ônibus parando próximos ao presídio. Keila me contou que um ônibus passa a cada 1h30 e que, fora esse, nenhum mais passa por lá. Não há faixa de pedestre ou algo para os pedestres atravessarem a pista, que tem como velocidade 80km/h. Eles têm de se arriscar correndo.

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As mulheres que cumprem seu regime com trabalho externo caminham até uma parada próxima para conseguir pegar um ônibus para a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP), localizada no SIA. Os dois locais são separados por 31 quilômetros, uma distância que demoraria 30 minutos de carro e, aproximadamente, duas horas de ônibus.

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Uma dessas mulheres veio até a tenda para pedir que alguém solicitasse um Uber ou 99pop para ela. Eu falei que poderia pedir. Faria o pagamento ao motorista no final da corrida com dinheiro. Ela, todos os dias, sai do presídio para trabalhar e volta pela noite para dormir. Aos finais de semana, pode ir para casa, que ela se refere como saidinha.

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Nesse dia, ela não estava indo de ônibus para não se atrasar, teve que ajudar em uma atividade interna. Enquanto estava esperando a chegada do carro, um grupo de 5 mulheres passou a chamando para ir até a parada juntas, ela disse que havia pedido carro por aplicativo.

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“Eu, geralmente, prefiro andar só. Eu nunca fui do crime, cometi um e estou pagando por ele. Aqui é um local que, quanto mais só você anda, melhor acompanhada você está”.

"Troca de blusa"

Os visitantes têm que estar inteiramente de branco para adentrar no presídio. Chinelo branco, blusa branca, saias abaixo do joelho ou calça jeans branco e, se necessário, prendedor de cabelo branco também. Eles devem estar com máscara de proteção em seus rostos também – sem ela não é permitido que a visita seja feita.

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“É aquele ditado, a gente nunca sabe quando vai agradar o ser humano.” A avaliação sobre a roupa depende da percepção do agente penitenciário. Duas mulheres tiveram que correr até o carro para trocar de blusa, pois os agentes haviam falado algo sobre suas roupas e elas não poderiam entrar com elas. Uma dessas mulheres era uma senhora que de 15 em 15 dias ia ao presídio para fazer visitas. Ela contou que sempre usava a mesma blusa e que essa foi a primeira vez que falaram algo sobre a sua roupa. Afirmaram que estava muito transparente.

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Keila também aluga roupas para as mulheres que passam por esses problemas, mas não tinha uma blusa que a servisse de forma confortável. Todas ficaram apertadas. Então, ela colocou uma por baixo e, a que estava vestindo anteriormente, por cima. 

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“Ela não deixou eu entrar, eu já estava lá dentro”, afirmou a mulher que precisaria trocar o sutiã. O que ela estava usando possuía bojo. Esse tipo de roupa possui um ferro para dar sustentação à peça, por isso, não pode ser utilizado lá dentro. Ela alugou um sutiã com a comerciante do local, que trocou ali mesmo, na frente das pessoas que estavam embaixo daquela tenda. A vergonha era esquecida.

Reportagem produzida para o Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade de jornalismo do Centro Universitário de Brasília - Ceub

 

Textos e website: Maria Luíza Souza

Imagens: Maria Luíza Souza e Mariana Tollendal

Orientação: Luiz Claudio Ferreira 

Coordenador do curso de jornalismo do Ceub - Manoel Henrique Moreira

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