DIAS DE VISITAS:
a rotina de mulheres que visitam os amores nos presídios do DF
Mulheres se unem para arrecadar absorventes para detentas
“A situação carcerária é que mulheres, às vezes, usam miolo de pão. A gente até acha isso estranho. Mas é a realidade”, frase dita pela advogada Fernanda Lisboa.
Miolo de pão. Jornal. Pedaços de roupas. Papel higiênico. Itens que não possuem semelhança, mas que se complementam com uma única função: conter o fluxo sanguíneo durante a menstruação. E que podem acarretar doenças vaginais. Para quem está em situação de detenção, o cenário é ainda mais delicado.
Revolta e insatisfação são sentimentos que fizeram com que oito mulheres, de diferentes locais do Distrito Federal, se unissem. Fernanda Lisboa é uma delas. Ela é advogada e trabalha na Defensoria Pública do DF. Conta que as amigas decidiram se juntar para arrecadar os itens e, inicialmente, leva-los até a Penitenciária Feminina do Distrito Federal; e que, depois, também, foi entregue para mulheres de uma ocupação na Asa Sul.
“Nós criamos esse projeto no Instagram @projeto.nosporelas para poder arrecadar esses itens de higiene e cuidados pessoais que nós mulheres precisamos. E, dentro disso, também abrimos para outras pessoas receberem. Então, mulheres em situação de rua para a gente também fazer essa distribuição não só em presídio, que era o nosso foco inicial.”
Como a maioria das integrantes é composta por advogadas, inclusive uma delas é criminalista, elas possuem conhecimento sobre como adentrar no ambiente prisional. É feita uma autorização do diretor do presídio, ou de uma pessoa que esteja em um cargo superior, e os itens são levados em um dia pré-estabelecido.
“Tem algumas particularidades. Não podem embalagens que não sejam transparentes. Não pode vidros. Tem que ter toda uma embalagem preparada. Exemplo: nós montamos kits para entregar na rua, eles vão ser desmembrados, porque lá, dentro do estabelecimento prisional, eles fazem essa revista e alguns dos itens não podem ser levados. Como desodorante aerosol e gilete.”
Só que, diferente do que se pode imaginar, as entregas de doações não são feitas diretamente para as detentas. Duas, das oito amigas, combinaram de fazer a entrega no presídio. De retorno, é entregue uma declaração com informações de quem entregou e o que foi entregue O que abre espaço para dúvidas, pois não se sabe quem irá receber e como irá receber.
“Uma crítica pessoal minha, a gente não consegue saber de fato se isso foi entregue. E quem recebeu. E como foi entregue. Esse controle a gente não pode fazer, porque não podemos entrar no estabelecimento. Então, o que facilita essa entrega é o contato com alguém lá de dentro, para combinar sobre como será feita a entrega até essa pessoa. Mas, a gente não consegue ter certeza do destino da doação dentro do estabelecimento prisional”, afirma Fernanda.
Projeto nós por elas
Em 2021, o então presidente, Jair Messias Bolsonaro, vetou algumas partes da Lei nº 14.214/21, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que visa assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual para mulheres em vulnerabilidade social.
Absorvente, que era para ser considerado um artigo de rotina para mulheres, se tornou artigo de luxo. Segundo o relatório Livre Para Menstruar, realizado pelas organizações Girl Up e Herself, estima-se que uma mulher gaste entre R$3 mil e R$ 8 mil com absorventes, ao longo de sua vida menstrual. Valores altos para mulheres que sustentam seus lares com menos de um salário mínimo.
“Abandono”
A advogada Débora Dutra também faz parte do projeto. Ela possui pós graduação em direito público e é pós-graduanda em direito penal, processo penal, compliance criminal e direito tributário. Entretanto, sua área de atuação é somente o direito criminal.
“Nós, do direto penal, percebemos o tamanho da precariedade e do abandono das detentas. Porque tem uma diferença muito grande: se você for em um dia de visita na Papuda, é lotado. Tem muita mãe, tem muita esposa, tem muito filho. Elas levam cobal (kit de produtos para os detentos), levam tudo. Agora, se você for em um dia de visita na Colmeia, já é bem menos. As mulheres, realmente, têm um maior número de abandono”.
A advogada afirma que já prestou serviço para inúmeras pessoas presas.
Na minha percepção de leiga, ou falsa realidade, eu achava que um advogado poderia ir qualquer dia ao presídio para conversar com o seu cliente. Mas, a realidade não é assim. Para adentrar no estabelecimento prisional, o advogado precisa de um cadastro no sistema da Ordem dos Advogados do Brasil. Chamado de agenda OAB.
“Primeiramente, o advogado tem que mandar os documentos para o administrativo da SESIPE – Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal. Tendo esse cadastro, o advogado entra no sistema e marca o dia e horário, não é só chegar lá e entrar”, compartilha Débora Dutra.
Assim como na área dos visitantes, o profissional também tem que passar por um detector de metal. Ela afirma que só teve problema uma vez por conta de seu sapato, mas que no geral não há muitos empecilhos para adentrar onde poderá conversar com o seu cliente.
“A superlotação que há no presídio vem primeiramente desse problema. Do inimigo que pune o preto e pobre que não tem condição”.
Contudo, também há problemas maiores no dia a dia de uma prisão. Em sua opinião, os funcionários não foram educados, no sentido de como lidar com as pessoas que estão recolhidas naquele ambiente. A advogada compartilha que os agentes tratam como se todos fossem pessoas muitos ruins, e, por conta disso, fica um ambiente muito pesado, um ambiente de medo, tortura e violência.
“A própria convivência com essa superlotação e com esse tratamento, como se fosse um lixo, a pessoa perde a identidade lá dentro. Então, fica mais distante a ressocialização dessa pessoa, porque, quando ela sai desse sistema carcerário, tá se sentindo abaixo de um lixo”.